Como sublinhar as ideias de um texto
Muitas são as vezes que um aluno me pergunta: “Adeildo, como sublinhar as ideias de um texto?”. Para responder a essa questão, recorro às minhas origens de estudante. Sempre achei essa definição de leitura de Marcone e Lakatos fabulosa: “A leitura constitui-se em fator decisivo de estudo, pois propicia a ampliação de conhecimentos, a obtenção de informações básicas ou específicas, a abertura de novos horizontes para a mente, a sistematização do pensamento, o enriquecimento de vocabulário e o melhor entendimento do conteúdo das obras”.
Não sei você, mas eu vi pela primeira vez esse conceito na universidade, no Curso de Letras, estudando a cadeira de Metodologia Científica, com a professora Telma em meados dos anos 90, na UEMA (Universidade Estadual do Maranhão). Lembro-me que fiquei muito indignado quando percebi tantos conhecimentos que ainda julgo importantes sendo ensinados nessa disciplina apenas para quem entrava na universidade. Felizmente de lá para cá muita coisa mudou. Eu mesmo produzi muita mudança, quando passei a ensinar para os meus alunos do ensino fundamental e do ensino médio técnicas de estudo e de leitura.
Agora, volto a falar sobre como sublinhar as ideias de um texto porque quero ensinar com esse artigo a técnica de estudo mais necessária para identificar as ideias de um texto numa leitura informativa. Assim, a partir de agora, vou usar como base das informações necessárias para compreender o uso dessa técnica a obra Fundamentos da Metodologia Científica, de Marcone e Lakatos, da Editora Atlas.
Primeiramente, o que significa sublinhar? Segundo o dicionário eletrônico Caldas Aulete, sublinhar significa: 1. Pôr sublinha em, ou traço sob (palavra, frase etc.): Sublinhou o parágrafo inteiro. 2. Fig. Ressaltar, acentuar ou frisar: Ao discursar, o ministro sublinhou a importância de seus auxiliares. A técnica de sublinhar um texto reúne praticamente as duas definições. Mas, em vez de usar lápis ou caneta colorida para desenhar essa linha, é possível também usar marca-textos.
Eu mesmo coloco em meus marca-textos etiquetas que me lembram para que cada cor serve. Faço a mesma coisa com as minhas canetas.

Então, a técnica que vou ensinar ajuda você a destacar as ideias mais importantes do texto e, consequentemente, captar com mais precisão a mensagem do texto. Agora, vale lembrar que tipos de ideias há no texto, ok?! Então, vamos lá…
Ideias centrais e ideias secundárias
Em segundo lugar, convém lembrar que um texto em prosa é constituído de parágrafos. Parágrafos são unidades de sentido iniciadas afastados da margem esquerda, com inicial maiúscula e encerrados com um sinal de pontuação, geralmente o ponto. Todo parágrafo possui uma ideia central (apenas uma) e uma ou mais ideias secundárias. Enquanto aquela apresenta de modo mais geral o assunto de que o parágrafo trata, estas apresentam as explicações e/ou os detalhes daquela. Sem assim, pode-se afirmar que as ideias secundárias justificam ou ampliam a ideia central.
Portanto, se um texto tem dois ou cinco parágrafos, ele trará duas ou cinco ideias centrais, uma em cada parágrafo. E várias ideias secundárias.
Ideia global
Todo texto apresenta uma ideia global. Essa ideia está inserida no texto entre as ideias centrais. Por exemplo: a) se o texto lido é uma descrição, a ideia global é aquela que apresenta elemento descrito em sua totalidade, sem detalhamento, é como se fosse a sua primeira impressão, a sua apresentação inicial; b) se o texto é uma narrativa, a ideia global é a moral da história que se manifesta explícita ou implicitamente no desfecho do enredo, até porque ninguém conta uma história para o mais importante aparecer no início, né?! c) se o texto é dissertativo-argumentativo, a ideia global é a tese que será apresentada e defendida ao longo do texto e que, geralmente, aparece na introdução e/ou na conclusão.
Agora que você já sabe que tipos de ideias um texto traz, vamos compreender como sublinhar as ideias de um texto.
Técnica: como sublinhar as ideias de um texto
Técnica: como sublinhar as ideias de um texto
Primeiro passo: descobrir a palavra-chave
Em primeiro lugar, nós já sabemos que cada texto, capítulo, subdivisão ou mesmo parágrafo têm uma ideia principal, um conceito fundamental, uma palavra-chave, que se apresenta como “fio condutor” do pensamento. Geralmente essa ideia não se destaca do restante, descobri-la é a base de toda a aprendizagem.
Geralmente essa ideia não se destaca do restante, descobri-la é a base de toda a aprendizagem.
Na realidade, em cada parágrafo, deve-se captar aquilo de Marcone e Lakatos chamam em sua obra de “fator essencial”, pois a leitura que conduz à compreensão é feita de maneira que as ideias expressas são organizadas numa hierarquia para se descobrir a palavra-chave. Ao descobrir, concretizar e formular as ideias diretrizes dos parágrafos, encontra-se todo o fio condutor que dá unidade ao texto, que desenvolve o raciocínio, que demonstra as proposições.
NOTA – A palavra-chave é a palavra ou expressão que resume o significado geral de um contexto. No caso do parágrafo, ela se encontra na frase que traduz a ideia central. Então, encontrando a palavra-chave, encontra-se também a ideia central do parágrafo.
Por sua vez, a ideia central (ou ideia-mestra), também como já sabemos, não se apresenta desprovida de outras, que revelam pormenores importantes, gravitando ao seu redor, como uma miniatura do sistema solar. Nas proximidades da ideia central, aparecem argumentos que a justificam, analogias que a esclarecem, exemplos que a elucidam e fatos aos quais ela se aplica.
Assim, numa comparação, é necessário discernir este “sistema planetário” ao redor do “sol”, separando-o de fatores menos importantes, caso contrário perde-se a unidade de pensamento. É por esse motivo que o bom leitor utiliza o recurso de sublinhar, de assinalar com traços verticais às margens, ou horizontais sob as linhas, de utilizar cores e marcas diferentes para cada parte importante do todo.
Como encontrar a palavra-chave de um parágrafo
Para encontrar a palavra-chave em um parágrafo, depois que o lemos, fazemos a seguinte pergunta mentalmente: “do que esse parágrafo trata?”. Então, procuraremos a palavra ou expressão que seja suficientemente capaz de responder de forma sintética essa questão.
Vamos ver um exemplo. Leia o parágrafo a seguir e depois responda à pergunta.
Para que o aprendizado seja permanente e não apenas passageiro, é preciso que ele seja feito, como nos afirma o psicanalista e educador Rubem Alves, com a cabeça e com as mãos, ou seja, devo construir não só intelectualmente, mas também de forma prática. É preciso desenvolver o prazer de fazer as coisas. A grande questão é até que ponto as nossas escolas estão respondendo às questões da atualidade e principalmente se os nossos professores estão preparados para lidar com contextos cada vez mais complexos e imprevisíveis. Vamos tomar como exemplo a questão da violência. Ela tem sido tema no currículo escolar? A escola e o professor têm problematizado com os alunos os processos que desencadeiam a violência, nas suas mais diversas nuances, bem como lidar com essa situação no cotidiano.
(Disponível em: <https://www.gazetadigital.com.br/colunas-e-opiniao/colunas-e-artigos/aprendizagem-permanente/547834> Acesso em: 01 de jul. de 2021)
Do que esse parágrafo trata? Trata do aprendizado permanente. E onde ocorre esta expressão? Na frase inicial do parágrafo, como tópico frasal, isto é, como uma estrutura importante que ajuda tornar o parágrafo de argumentação muito mais organizado e interessante. Em outras palavras: acabamos de encontrar a ideia central.
Segundo passo: reconhecer a ideia central
Uma vez encontrada a palavra-chave e, consequentemente, a ideia central, é preciso confirmá-la. E como fazemos isso? Simples: vamos lembrar que a ideia central não amplia nem justifica nada. Ela não traz pormenores, não apresenta detalhamento, não explica, não compara nada. Assim, confirmamos que encontramos a palavra-chave corretamente quando a frase em que ela está não possui essas características. Aí temos a certeza de estarmos diante da ideia central.
Terceiro passo: verificar a coesão e coerência entre as ideias
Quando a leitura informativa envolve um texto com dois ou mais parágrafos, para termos a certeza de que sublinhamos corretamente as ideias centrais em cada parágrafo, verificamos se há entre elas uma sequenciação coesa e coerente. Tomemos o texto de Bertrand Russell, “Minha vida”, a fim de melhor apreendermos a forma como ele está construído:
Três paixões – simples, mas irresistivelmente fortes – governaram minha vida: o desejo imenso de amor, a procura do conhecimento e a insuportável compaixão pelo sofrimento da humanidade. Essas paixões, como os fortes ventos, levaram-se de um lado para outro, em caminhos caprichosos, para além de um profundo oceano de angústias, chegando à beira do verdadeiro desespero.
Primeiro busquei o amor, que traz o êxtase – êxtase tão grande que sacrificaria o resto de minha vida por umas poucas horas dessa alegria. Procurei-o, também, porque abranda a solidão – aquela terrível solidão em que uma consciência horrorizada observa, da margem do mundo, o insondável e frio abismo sem vida. Procurei-o, finalmente, porque na união do amor vi, em mística miniatura, a visão prefigurada do paraíso que santos e poetas imaginaram. Isso foi o que procurei e, embora pudesse parecer bom demais para a vida humana, foi o que encontrei.
Com igual paixão busquei o conhecimento. Desejei compreender os corações dos homens. Desejei saber por que as estrelas brilham. E tentei apreender a força pitagórica pela qual o número se mantém acima do fluxo. Um pouco disso, não muito, encontrei.
Amor e conhecimento, até onde foram possíveis, conduziram-me aos caminhos do paraíso. Mas a compaixão sempre me trouxe de volta à Terra. Ecos de gritos de dor reverberam em meu coração. Crianças famintas, vítimas torturadas por opressores, velhos desprotegidos – odiosa carga para seus filhos – e o mundo inteiro de solidão, pobreza e dor transformam em arremedo o que a vida humana poderia ser. Anseio ardentemente aliviar o mal, mas não posso, e também sofro.
Isso foi a minha vida. Achei-a digna de ser vivida e vivê-la de novo com a maior alegria se a oportunidade me fosse oferecida.
(RUSSELL, Bertrand, Revista Mensal de Cultura. Enciclopédia Bloch, n.53, set.1971. p.83.)
Ao procurarmos as palavras-chave em cada parágrafo, devemos encontrar a seguinte sequência:
1º parágrafo – vida / paixões
2º parágrafo – amor
3º parágrafo – conhecimento
4º parágrafo – compaixão
5º parágrafo – vida
Consequentemente, as frases em que tais palavras ocorrem são, respectivamente:
1º parágrafo – Três paixões – simples, mas irresistivelmente fortes – governaram minha vida (…).
2º parágrafo – Primeiro busquei o amor, que traz o êxtase – êxtase tão grande que sacrificaria o resto de minha vida por umas poucas horas dessa alegria.
3º parágrafo – Com igual paixão busquei o conhecimento.
4º parágrafo – (…) a compaixão sempre me trouxe de volta à Terra.
5º parágrafo – Isso foi a minha vida.
Agora, perceba como essas ideias têm coesão e coerência entre elas, reunindo-as em um único parágrafo:
Três paixões – simples, mas irresistivelmente fortes – governaram minha vida. Primeiro busquei o amor, que traz o êxtase – êxtase tão grande que sacrificaria o resto de minha vida por umas poucas horas dessa alegria. Com igual paixão busquei o conhecimento. Mas a compaixão sempre me trouxe de volta à Terra. Isso foi a minha vida.
Considerações finais
Para que você desenvolva o pleno domínio dessa técnica, apresento agora algumas noções básicas da arte de sublinhar que podem ser sintetizadas, segundo Marcone e Lakatos:
a) nunca assinalar nada na primeira leitura, cuja finalidade é apenas organizar o texto na mente, de forma hierarquizada, para depois destacar o mais importante;
b) sublinhar apenas as ideias principais e os detalhes importantes, usando dois traços para as palavras-chave e um para os pormenores mais significativos, a fim de destacar as primeiras (ou use marca-textos de cores diferentes);
c) quando aparecem passagens que se configuram como um todo relevante para a ideia desenvolvida no texto, elas devem ser inteiramente assinaladas com uma linha vertical, à margem. Da mesma forma, passagens que despertam dúvidas, que colidem com o tema exposto e as proposições que o apoiam devem ser assinaladas com um ponto de interrogação, pois constituem material-base para a leitura explicativa, onde sua veracidade será testada, interpretada e confrontada com outros textos. O que consideramos passível de crítica, objeto de reparo ou insustentável dentro do raciocínio desenvolvido, deve ser destacado mediante uma interrogação;
d) cada parágrafo deve ser reconstituído a partir das palavras sublinhadas, e sua leitura tem de apresentar a continuidade e a plenitude de um texto de telegrama, com sentido fluente e concatenado;
e) cada palavra não compreendida deve ser entendida mediante consulta a dicionários e, se necessário, seu sentido anotado no espaço intermediário, para facilitar a leitura. O ideal, entretanto, é que seu significado seja compreendido e a palavra adida ao vocabulário de quem lê. Também é aconselhável que a leitura não seja interrompida diante da dúvida relativa a uma palavra, pois o texto que se segue muitas vezes esclarece qual dos sentidos, apontados no dicionário, mais convém no caso particular. Assim, durante a primeira leitura deve-se anotar os termos e, antes da segunda, consultar a fonte que esclarecerá o sentido deles. Nunca é demais repetir que a leitura é um dos meios para ampliar o vocabulário.
No mais, bons estudos e um forte abraço!